quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Sibelle Fonseca, as contradições de um mito.

Uma mulher jovem, com os olhos irritados pelo banho que acabara de tomar, cabelos molhados, sem cerimônias abrindo as portas da casa simples de poucos móveis e muita agitação. A Sibelle que não imaginava encontrar, convida para conversar em uma mesa nos fundos da casa, um lugar mais fresco para suportar o calor do domingo em Juazeiro. Cerveja e cigarro “-Eu bebo, sou normal”, brinca dizendo não acreditar como alguém consegue manter-se sóbrio o tempo inteiro. Aos poucos, a certeza foi ganhando forma, a jornalista que procurava dividia espaço com muitas outras mulheres. Nuances desconhecidas, mas que revelaram uma mãe atenta à filha caçula , Ananda, de cinco anos, uma cozinheira que compra amigos com feijoada nos fins de semana , uma chefe de família que exige mesa posta e filhos reunidos ao meio-dia e uma mulher de feições doces e afáveis, que transmite com os olhos sua necessidade de amar.

Alguém com erros, acertos, dúvidas, soluções, fracassos, vitórias. Alguém decidida e insegura. Carente, auto-suficiente, incoerente, inconseqüente, que acredita ter como principal característica a capacidade de nunca perder indignação diante das injustiças. Essa é Sibelle Fonseca vista por seus próprios olhos, é dessa maneira que se autodefine a jornalista de 38 anos, mãe, dona de casa e acima de tudo uma mulher marcada por contradições.

Filha do comerciante Manoel Justiniano e da professora Maria das Dores da Fonseca, Sibelle passou boa parte de seus dias de criança enfiada na casa dos avós. Lá, a menina traquina de olhos claros e cabelos escorridos, encontrava o carinho e aconchego que a vida atarefada dos pais roubava da família. Todos os dias, eram os avós que calçavam suas meias, colocavam a pasta em sua escova de dente e faziam seu café da manhã antes de levá-la para a escola.Um privilégio que suas irmãs Nelma, Nelia e Lívia, pouco puderam aproveitar.

A infância sempre dividida entre duas casas marcou sua vida. Junto aos avós Sibelle encontrava seu refúgio, um universo onde podia ter atenção e mimos exclusivos, um lugar onde as bonecas estavam sempre prontas e a enorme casa de brinquedos nunca era desfeita. Nesse lar, o gostinho bom dos laços familiares vinha acompanhado da suave proteção de quem já aprendeu muito com as experiências da vida. Com os pais, a educação rígida, por vezes opressora ensinou valores morais muito sólidos, mas despertou uma personalidade forte e transgressora.

Aos 10 anos de idade, Sibelle foi mãe pela primeira vez. O nascimento de sua irmã mais nova, Emanuela, despertou um instinto maternal que lhe acompanhou durante toda a vida. Em pouco tempo, transformou-se na ovelha-negra da família, a garota de 16 anos que pulava janelas para namorar na praça, não seguiu os padrões rígidos impostos pelo pai. Grávida, casou pela primeira vez e embarcou em uma união que durou sete anos e gerou três de seus quatro filhos, Carla, Mariana e Nilo.

O instinto maternal acredita ter herdado da avó, seus planos incluíam dez filhos e um amor por toda eternidade, os resultados foram três casamentos frutos de uma busca intensa. O romantismo de Sibelle esteve em sua vida desde muito cedo, aos cinco anos se apaixonou por Antonilton, um amiguinho da escola. Desde então, seu coração nunca esteve vazio.

“Busco no outro o que não encontro em mim, queria alguém de verdade e pra sempre, ainda acho que ser feliz é cuidar de uma horta, assistir a filme e comer pipoca aos domingos com quem se ama”, revela emocionada tentando esconder as lágrimas e surpreendendo ao demonstrar fragilidade.

Mas como saber quem é essa mulher de feições tão meigas e de aparência encantadora quando o mito é maior que a personagem. A entidade, como ela mesma define, é sempre a primeira a ser apresentada. Todos conhecem Sibelle Fonseca, jornalista corajosa e competente que diariamente comanda no rádio um programa aberto aos problemas e as palavras do povo. Uma jornalista premiada na tv baiana, o orgulho de uma cidade que pára e assiste o jornal com atenção especial quando suas matérias vão ao ar.

Uma mulher retada, como qualquer um diz na esquina, que não tem medo de bandido, capaz de passar dias dentro de casas de detenção apurando suas matérias e fazendo novas amizades. Uma mulher indignada, amiga de prostitutas, homossexuais, gente pobre, gente rica. Para Sibelle, as portas estão sempre abertas.

Formada na primeira turma do curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Sibelle encontrou no jornalismo seu verdadeiro caminho. Ouvinte assídua da radialista Marta Luz, um dia criou coragem e foi na rádio declarar toda sua admiração e pedir para acompanhar os trabalhos. “Pedi para trabalhar de graça, eu admirava muito o trabalho de Marta, queria apenas aprender”, confessa.

Depois de ter aprendido foi muito mais além, fez e faz diariamente um jornalismo formulado por ela mesma, aprendido da base do ‘eita’, - Eita que tem que fazer rápido - explica como era trabalhar em uma redação de muitos iniciantes. O jornalismo adotado por Sibelle possui estilo humanizado, que vai muito além da realização de simples matérias, um jornalismo que busca resultados, que tenta mudar.

Talvez por causa do comprometimento com a profissão seu lado humano fique escondido na sombra da jornalista. A entidade esconde seu verdadeiro eu, que sofre constantemente com o peso dessa armadura e afasta interpretações mais sensíveis.

“As pessoas acham que sou alguém que não existe, tenho meus medos, sou frágil, eu choro , acredito no amor e busco a felicidade. Agora quero casar comigo mesma, sofro muito com essa busca incessante, apesar de achar minha própria companhia insuportável, preciso aprender a me encontrar. Preciso me sentir melhor sozinha”.

Da vida, Sibelle só traz uma tristeza, ter nascido em 1967. Em plena crise de adolescência, como ela mesma se define atualmente , o que lhe incomoda é não ter nascido na era revolucionária que o mundo vive hoje. “O mundo está cada dia melhor, parece uma incoerência, mas não é. As pessoas são mais solidárias, muito mais comprometidas, hoje todo mundo afirma sua natureza, não me conformo em saber que pouco vou aproveitar dele”, revela demonstrando ser uma mulher eternamente em contradição.
*Perfil escrito em 2006, o primeiro da minha vida... Boas lembranças, bons frutos, bons sonhos.....

domingo, 18 de maio de 2008

Breve retorno

Dezenove horas, a sirene estridente soava por toda a rua anunciando o início da exibição. Nas calçadas, passos apertados, cada vez mais rápidos, emitiam sons que denunciavam a direção a seguir. Em tentativas disfarçadas, casais tentavam encontrar um compasso único, que atendesse aos dois diante da pressa. Para os desacompanhados, uma curta corrida sem maiores desconfortos ajudava a compensar o tempo perdido. A noite estava apenas começando...

O destino era o habitual de todas as noites, o Cine Teatro São Francisco. Uma bela representação do progresso da cidade, iniciativa arrojada dos irmãos Cavalcante, construído sob os padrões da arquitetura moderna destacava-se como sendo digno de uma grande cidade. Desde 1911, quando a primeira exibição fílmica em Juazeiro foi acompanhada pelos esplendorosos sons de pianos que a cidade havia se acostumado a apreciar a sétima arte. Agora, como fim da fase do cinema mudo, esta época já havia sido superada, os sons e imagens ganhavam ainda mais a simpatia de seu público, principalmente nas telas do Cine Teatro.

Dentro do prédio uma bilheteria vazia. Quase todos os ingressos já haviam sido vendidos por uma moça bem penteada e maquiada delicadamente antes de assumir seu posto no fim da tarde. Com os cabelos arrumados fio a fio, blush rosado nas bochechas e um sorriso conservador nos lábios, ela permanecia sentada com as costas retas, numa postura altiva, de onde observava a movimentação de seus companheiros de trabalho, elegantemente arrumados dentro de smokings que, sem dúvida alguma, eram os melhores trajes de seus guarda-roupas.

Próximo à porta da sala de exibição, um cartaz colado na parede exibia em fontes grandes o nome do filme, ele havia sido preparado na tarde do dia anterior especialmente para a ocasião. Cada cartaz era uma criação única, com o título em letras um pouco maior e uma frase bastante chamativa e para dar mais impacto. A lista dos artistas que participaram da trama. Se fosse obra estrangeira, o título ganhava uma adaptação para facilitar a interpretação dos novos expectadores, para só então, serem pregados nas paredes para apreciação popular. Aquele que fosse mais desatento e não visse os cartazes, fatalmente não passaria imune à voz estridente dos alto-falantes da difusora de Seu Emicles, espalhados por vários pontos da cidade anunciando o acontecimento cultural à população juazeirense:

A Marabá publicidade, eficiência e qualidade, vem convidar a todos para assistir à estréia do grande sucesso do cinema brasileiro, uma obra prima nas telas da nossa cidade. Hojeeee! Logo mais às 19:00 h, no Cine Teatro São Francisco”.

A sessão anunciada não era a primeira do dia. Desde cedo, muitos já haviam passado pelos corredores que levavam aos assentos do cinema. Matinês paras as moças, sempre com duas exibições, ou a “hora dos miseráveis”, eram opções para quem perdesse os lançamentos mais importantes, ou simplesmente, para aqueles que não pudessem pagar o preço integral dos ingressos.

Mais cedo, sem a badalação noturna, os ares ficavam familiares, o único problema era quando a fita quebrava no meio da exibição, ou faltava óleo para o motor de caminhão que gerava energia para o equipamento. Uma tristeza para alguns, revolta para outros, que juravam que isso só acontecia no melhor do filme. Mas independentemente das opiniões, a única verdade é que todos ficariam sem ver o final do filme.

Porém, já era a sessão das sete, momento disputado pelas famílias que diariamente, quase que num movimento religioso, compareciam à Rua da Apolo para dedicarem seu tempo à apreciação da arte. Logo mais, por volta das dez todos teriam que chegar logo as suas casas. A “força” seria desligada e toda luz elétrica da cidade, produzida Ilha do Fogo, com óleo diesel, piscaria três vezes sinalizando o termino da distribuição.Era preciso aproveitar a noite, dentro da sala de projeção todos se acomodavam nas cadeiras acolchoadas para assistir ao espetáculo.

A sirene soa pela última vez. O filme já vai começar.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

"Se é valente, como é, para morrer a um homem que luta contra preconceitos, é ainda bravo para recusar briga e ainda recusar se render ao usurpador"


Mahatma Gandhi

Copiei e colei da Rosana Hermann

Só pq admiro seu trabalho...
"Tempos estranhos esses, os anos 2000.Tanta tecnologia, tanto conhecimento e o ser humano parece ser incapaz de realizar as coisas mais simples do mundo. Não sabe mais dormir. São incontáveis os remédios e tratamentos para insônia. Não sabe comer. Há uma verdadeira indústria de nutrição/nutricionistas ensinando o mais básico do básico, o mais óbvio do óbvio. Não sabe respirar. A ansiedade é tanta que ele mal usa a capacidade dos pulmões. Não sabe se exercitar. Nem caminhar direito sabe.Não sabe se vestir. Daí a incrível quantidade de estilistas pessoais sendo contratados. Não sabe falar, nem escrever. Não sabe escovar os dentes ou passar fio dental. Não sabe cuidar de si, nem lidar com os sentimentos. Fica abalado com tudo, ansioso com tudo. Não sabe cuidar dos outros. Não sabe cuidar do meio ambiente.Ou talvez seja aqui, que tudo começa.O ser humano se distanciou a tal ponto da natureza que não dorme com a noite, não acorda com o dia. Como porque é hora do almoço e não porque tem fome.Deita porque precisa levantar no dia seguinte.Quando a gente tira férias acaba percebendo o quanto se afastou do que nos mantém humanos. O normal, o correto, o que nos mantém como parte da natureza é isso. É acordar disposto com a luz do sol, comer bem no café, ter atividades durante todo o dia e, quando a noite cai, sentir o cansaço e dormir bem. Mesmo sabendo que é difícil manter este tipo de ritmo vou tentar me lembrar disso durante todo o ano de trabalho.E quando eu me esquecer, vou contar com sua ajuda para lembrar."
Rosana Hermann