sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Uma diferente Diane Arbus

Para aqueles que acreditavam encontrar uma biografia trivial da fotografa americana Diane Arbus (1923-1971), uma surpresa, A Pele, lançado em 2006 com direção de Steven Shainberg, foge do convencional. O filme de atmosfera intimista não se propõe a ser um retrato fidedigno da vida da personagem, no máximo, se aproxima de uma pintura psicológica dessa mulher marcada por conflitos e inquietudes.

Baseado na biografia assinada por Patrícia Bosworth, o drama se apresenta como “Um retrato imaginário de Diane Arbus”. A partir da atmosfera confusa que rodeia o universo particular de Diane (Nicole Kidman), o filme é capaz de fazer o público compartilhar sensações com a personagem, uma mulher atormentada por suas próprias convenções sociais, de ações e libido contidas, fragilizada diante de seus fantasmas, mas cheia de potencialidades.

Com o desenrolar da trama, as angustias geradas pelos desejos reprimidos de Diane se transformam em marcas cada vez mais constantes. Ela, uma dona de casa reservada, vai a janela se despir, seus instintos afloram, mas seu recato estanca o desejo, se veste novamente e tenta compartilhar com o marido seu novo segredo. É assim que ela faz para conversar com seu companheiro, sob a infantil alegação de dividir um segredo, o dia-dia do casal é repartido, e nesses momentos as fraquezas dos personagens também são compartilhadas.

Ao conhecer Lionel Sweeney (Robert Downey), o encontro com o estranho, se essa foi à marca na vida real da fotografa que a fez romper com seus paradigmas, não se sabe, mas é assim que está no filme.Lionel foge do convencional, sofre de hiperticose, uma doença rara, que faz seu corpo ser coberto por pêlos.Um enredo diferente, mas que desastrosamente deixa o filme com um ar trash e até mesmo cômico.

Diane buscava no grotesco o alívio para suas tensões, não que isso deixe de significar que a fotografa possuía a sensibilidade de enxergar o que tentamos ocultar (o feio, estranho), mas dialogar com o diferente parecia fazer bem a personagem trabalhada no filme. De seu relacionamento com Lionel, a dicotomia perfeição versus imperfeição, dois conceitos em confronto. Por um lado à vida supostamente perfeita da fotografa, do outro o contraste com a vida degradante dos diferentes causando aversão e estranhamento no momento em que se cruzam.

Porém, não é através desse prisma que o filme provoca a maior inquietação, a obra lança um olhar sobre a postura de Diane como mulher, mais precisamente como esposa, que sob perspectivas conservadoras, e deslizantemente machistas, revela uma mãe ausente, indigna de um marido tão solicito. Diane rompe com regras sociais, e deixa o público comovido com sua insensibilidade diante das constantes tentativas de seu companheiro em manter uma estrutura familiar.

Perceber na tela relances de um discurso antiquado e indelicado incomoda mais do que enxergar os anões, travestis, deficientes e transfigurados que o filme aborda como estranhos. Esses personagens são tratados com uma delicadeza um pouco circense: são diferentes, engraçados, um outro universo, ao passo que as angustias de Diana são tratadas apenas como um desejo fortuito de buscar a satisfação amorosa e sexual. Se essa foi a intenção do roteirista, também não se sabe, mas assim foi o caminho escolhido, uma ficção sobre a vida real de uma grande fotografa que desastrosamente desconfigura um universo particular.

Na vida real e entre os imperfeitos Diane não foi a diferente, se ela não sentia esse estranhamento é porque simplesmente também era um deles, mesmo de traços delicados, sua alma foi atormentada, corrompida. Cabe a verdadeira Diane, o mérito por sua sensibilidade no olhar, sua destreza em conseguir do retratado a cumplicidade quase que familiar capaz de permitir a própria exposição. Encontrar um caminho para penetrar no universo do outro não é uma tarefa simples, é preciso perceber, aceitar, entender, e isso provavelmente a fotografa sabia fazer bem.

O fato de Diane ser um expressivo retrato da história fotográfica norte-americana é difícil de questionar, mas para aqueles que nada conhecem da fotografa, A Pele revela outras duas grandes verdades, a primeira que ela foi dona de uma incrível sensibilidade, pertenceu a um seleto grupo de pessoas capazes de perceber a vida com o seu próprio olhar, e a segunda que o filme quase nada revela de seu fascinante universo profissional.

Um comentário:

Anônimo disse...

uia a critica de cinema! eita! e falou bem do filme! deu até vontade de assistir de novo pq eu nao vi isso tudo não!