domingo, 18 de maio de 2008

Breve retorno

Dezenove horas, a sirene estridente soava por toda a rua anunciando o início da exibição. Nas calçadas, passos apertados, cada vez mais rápidos, emitiam sons que denunciavam a direção a seguir. Em tentativas disfarçadas, casais tentavam encontrar um compasso único, que atendesse aos dois diante da pressa. Para os desacompanhados, uma curta corrida sem maiores desconfortos ajudava a compensar o tempo perdido. A noite estava apenas começando...

O destino era o habitual de todas as noites, o Cine Teatro São Francisco. Uma bela representação do progresso da cidade, iniciativa arrojada dos irmãos Cavalcante, construído sob os padrões da arquitetura moderna destacava-se como sendo digno de uma grande cidade. Desde 1911, quando a primeira exibição fílmica em Juazeiro foi acompanhada pelos esplendorosos sons de pianos que a cidade havia se acostumado a apreciar a sétima arte. Agora, como fim da fase do cinema mudo, esta época já havia sido superada, os sons e imagens ganhavam ainda mais a simpatia de seu público, principalmente nas telas do Cine Teatro.

Dentro do prédio uma bilheteria vazia. Quase todos os ingressos já haviam sido vendidos por uma moça bem penteada e maquiada delicadamente antes de assumir seu posto no fim da tarde. Com os cabelos arrumados fio a fio, blush rosado nas bochechas e um sorriso conservador nos lábios, ela permanecia sentada com as costas retas, numa postura altiva, de onde observava a movimentação de seus companheiros de trabalho, elegantemente arrumados dentro de smokings que, sem dúvida alguma, eram os melhores trajes de seus guarda-roupas.

Próximo à porta da sala de exibição, um cartaz colado na parede exibia em fontes grandes o nome do filme, ele havia sido preparado na tarde do dia anterior especialmente para a ocasião. Cada cartaz era uma criação única, com o título em letras um pouco maior e uma frase bastante chamativa e para dar mais impacto. A lista dos artistas que participaram da trama. Se fosse obra estrangeira, o título ganhava uma adaptação para facilitar a interpretação dos novos expectadores, para só então, serem pregados nas paredes para apreciação popular. Aquele que fosse mais desatento e não visse os cartazes, fatalmente não passaria imune à voz estridente dos alto-falantes da difusora de Seu Emicles, espalhados por vários pontos da cidade anunciando o acontecimento cultural à população juazeirense:

A Marabá publicidade, eficiência e qualidade, vem convidar a todos para assistir à estréia do grande sucesso do cinema brasileiro, uma obra prima nas telas da nossa cidade. Hojeeee! Logo mais às 19:00 h, no Cine Teatro São Francisco”.

A sessão anunciada não era a primeira do dia. Desde cedo, muitos já haviam passado pelos corredores que levavam aos assentos do cinema. Matinês paras as moças, sempre com duas exibições, ou a “hora dos miseráveis”, eram opções para quem perdesse os lançamentos mais importantes, ou simplesmente, para aqueles que não pudessem pagar o preço integral dos ingressos.

Mais cedo, sem a badalação noturna, os ares ficavam familiares, o único problema era quando a fita quebrava no meio da exibição, ou faltava óleo para o motor de caminhão que gerava energia para o equipamento. Uma tristeza para alguns, revolta para outros, que juravam que isso só acontecia no melhor do filme. Mas independentemente das opiniões, a única verdade é que todos ficariam sem ver o final do filme.

Porém, já era a sessão das sete, momento disputado pelas famílias que diariamente, quase que num movimento religioso, compareciam à Rua da Apolo para dedicarem seu tempo à apreciação da arte. Logo mais, por volta das dez todos teriam que chegar logo as suas casas. A “força” seria desligada e toda luz elétrica da cidade, produzida Ilha do Fogo, com óleo diesel, piscaria três vezes sinalizando o termino da distribuição.Era preciso aproveitar a noite, dentro da sala de projeção todos se acomodavam nas cadeiras acolchoadas para assistir ao espetáculo.

A sirene soa pela última vez. O filme já vai começar.

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